No início dos anos 2000, Jacutinga tinha 30 exportadores no segmento. Empresária dá receita e conta como conseguiu se manter no topo.
Todos os meses, cerca de 10 mil peças assinadas pela estilista Cecília Prado saem da confecção de propriedade de sua família em Jacutinga (MG). Pelo menos 75% da produção é exportada para vendas no atacado dos Estados Unidos, Ásia, Europa e Oriente Médio. Quando a empresa decidiu se arriscar no exterior, no início dos anos 2000, outras 30 malharias da cidade fizeram o mesmo investimento. Quinze anos depois, apenas a marca de Cecília permaneceu, conforme a Associação Comercial e Industrial de Jacutinga. As exportações, que já chegaram a 15% das vendas na cidade, hoje representam apenas 3%.

identidade de Jacutinga, MG, para o mundo
(Foto: Daniela Ayres/ G1)
Atualmente com 100 funcionários, a malharia começou pequena, em princípios dos anos 1980. O foco era o público local, mas já com o espírito de produzir modelos únicos que identificassem sua origem. A mãe de Cecília e Lourenço, Yara Prado, também era estilista. O conceito de moda como peças que possuem valor agregado parece ter facilitado o caminho que o empreendimento trilhou fora do país.
“O cliente, quando vê a peça, já sabe que é nossa”, orgulha-se Cecília. “Ao longo desses anos, fizemos nosso caminho. Nossa essência é muito forte, temos um produto muito característico, super autoral. Temos um longo caminho a percorrer, mas já temos um certo nome lá fora.”

(Foto: Daniela Ayres/ G1)
Cada modelo – em geral, casacos, vestidos, biquínis – tem um detalhe produzido manualmente. Um vestido chega a ser vendido nos Estados Unidos por 800 dólares. A criação e a transformação em um produto resultam de um trabalho mais lento do que o feito por malharias especializadas em produções em série. Para Lourenço, é o que faz a empresa continuar atrativa para estrangeiros, mesmo com oscilações no câmbio e o aumento da competição.
“Procuramos conhecer o nosso público. Apanhamos muito no começo, com calotes de clientes, tivemos peças copiadas, trabalhamos com o câmbio apertado – porque com o dólar a R$ 1,50 não dá para ter uma margem alta [de lucro]. Leva de cinco anos a uma década para se estabelecer no mercado como marca confiável, que entrega na data certa, com a qualidade certa. E hoje mostramos isso para o cliente e com roupas que têm muito DNA, o que é essencial. Se tem um segredo, é persistência”, aponta o diretor comercial.

Exemplo para o mercado local
De olho nesse caso de sucesso, a Acija (Associação Comercial e Industrial de Jacutinga) tem buscado meios para que mais empresas da cidade se tornem exportadora de moda.

do Brasil; cidade possui pelo 1,2 mil confecções
(Foto: Daniela Ayres/ G1)
“As exportações já representaram cerca de 15% das nossas vendas. Hoje correspondem a 3%. Houve uma perda de foco, em parte devido ao dólar”, aponta o presidente da Acija, Dennys Bandeira, lembrando o período em que o dólar operou em alta no país.
“Estamos em busca de incentivo para ganhar de novo espaço fora do país porque temos esse potencial, com uma produção que possui identidade”, avalia.
Respondendo por 30% da produção nacional de malhas, Jacutinga é considerada um dos pólos têxteis do Brasil com pelo menos 1,2 mil fábricas e 750 lojas no segmento. Por ano, a cidade, com população estimada em 24.930 habitantes, produz 30 milhões de peças com malhas de tricô.
Virgílio de Oliveira Prado Neto é um dos empresários que já tentou a sorte no exterior e pensa em retomar o investimento. Há 30 anos, ele e a esposa criaram uma marca que hoje coloca no mercado cerca de 5 mil peças de roupas por mês.

“Começamos como uma oficininha de fundo de quintal mesmo, em 1986. Fomos crescendo ano a ano e fizemos parte de três consórcios para vender nossos produtos no exterior”, recorda Virgílio. “Foi muito trabalhosa essa iniciativa. Tivemos que fazer prospecção na Europa inteira, praticamente, nos países da América Central e até na América do Norte. Mas, logo que a gente iniciou as vendas, acabou o apoio [logístico e financeiro]. Não dava para fazer cada um sozinho.”
Na época, o apoio basicamente vinha de uma entidade de iniciativa privada liga ao setor têxtil, mas contava também com investimento governamental. Segundo o empresário, ele sentiu que houve uma mudança na política de incentivo a fábricas como a dele, o que, aliado à abertura do mercado brasileiro aos produtos chineses, teria desestimulado a investida internacional. A saída foi apostar em pesquisa e tecnologia para garantir espaço em solo brasileiro.

“A partir de 2005, os chineses chegaram com muita voracidade. A gente se preocupou mais em defender o nosso mercado e encontrou a saída no private label [modelo de negócio em que se produz para outra marca], com empresas nacionais. Hoje, 70% do que produzimos é private label, é o que paga as contas, e 30% têm a nossa identidade. Agora, com maior fiscalização do produto asiático e o câmbio mais favorável, a gente começa a pensar de novo em exportação”, diz.
De rival a cliente
Cecília concorda que os chineses podem se tornar concorrentes de peso no mercado têxtil, mas com a trajetória traçada pela sua marca eles se tornaram clientes. Com moda praia e um mix das coleções, as vendas anuais para a China correspondem a 5% das exportações da confecção.
“A gente não sente tanto a cobrança da China porque o nosso trabalho é super autoral, difícil, demorado”, explica, destacando que o caminho das pedras é investir nos detalhes. “Se sair do padrão, as chances de conquistar o público são maiores”, diz.

No final de maio, a estilista se preparava para enviar 16 mil peças para os Estados Unidos, o principal comprador. A produção de vestidos de festa, saias, cardigans, ponchos acompanhada de perto para garantir que tudo saísse como um planejado. “Se a marca entra, sai, deu um probleminha, não vai para a feira, você não vai ter a credibilidade do cliente. Faça chuva, faça sol, você tem que estar aí, pode ter um prejuizinho, mas não pode deixar a peteca cair”, aconselha.
“Nos primeiros anos, as exportações representavam 5% das nossas vendas. Quando a gente foi exportar pela primeira vez, conhecer o mercado, a gente foi em uma feira em Paris junto com umas 30 malharias da região. Na segunda edição, sobraram 15. E assim até que só a gente ficou. A gente tinha um projeto e, mesmo com dificuldade, nunca pensou em desistir”, garante Lourenço.

(Foto: Daniela Ayres/ G1)
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